Não, o cliente não tem sempre razão!
Quem nunca teve um cliente que queria tudo do jeito dele, que acreditava ser mais especialista em marketing que você e que fazia questão de não seguir suas recomendações, atire a primeira pedra.
Clientes difíceis, estressados e mimados existem. Ninguém, por mais alinhado que seja seu posicionamento, estará livre de um cliente complicado, por uma questão simples: ser humano, né?
Além disso, só conhecemos o cliente quando passamos a trabalhar com ele, no dia a dia.
Quando comecei a ficar na linha de frente de atendimento da Little, aprendi muita coisa. Até porque já tive clientes das personalidades mais variadas possíveis. Resolvi escrever esse artigo por isso: pra gente discutir o que dá para fazer quando o cliente não tem razão.
A história do “cliente tem sempre razão” nunca foi unânime pra mim. É fato que ele tem suas razões e seus porquês, mas toda história tem dois lados. Tem clientes que não querem assumir as suas responsabilidades e isso é mesmo complicado. Contudo, como professora de comunicação, tenho muitos alunos que são donos dos seus negócios e, vira e mexe, trazem suas reclamações. Às vezes, tenho a impressão de que muitos profissionais não conversam sobre a própria relação com seus clientes.
Uma relação nunca é sobre o cliente ou a empresa, mas sobre o que é produzido entre as duas partes. Se não tem diálogo, não tem solução para n-a-d-a. Só que, grande parte das vezes, o diálogo sobre “como vamos nos relacionar” não acontece, fica meio que no ar. Se discute tudo: o tipo de projeto, prazos, entregáveis… mas não se discute o principal e, daí para os problemas, é um pulo. O mais famoso desses problemas é o profissional se sentir desvalorizado: "os clientes não entendem"... Bom, para começarmos essa história, eu acho que você pode ir pegar um café gostoso antes de seguir aqui.
Pegou? Então, bora! A lição número zero é: eu preciso que você aprenda a respirar quando essas situações difíceis acontecerem. Se você não conseguir se recompor enquanto o problema está rolando, você não terá a mínima chance de lidar com esse cliente.
Toda relação é complexa e multifatorial. Mas o pior de tudo é: ter embates com os clientes bloqueia muito o processo de construção de um bom projeto. A gente acaba perdendo o tesão e, sem tesão, não há revolução. Então, diferente dos demais textos que trago aqui no Provokações, que são quase no formato de grandes reportagens jornalísticas, neste, eu conto o que faço para melhorar minhas relações com meus clientes:
1. Explique muito bem o seu trabalho e como você funciona
Quando compramos algo, esse algo vem com um manual de instruções. Nós também temos os nossos, bem como as nossas empresas. Mas falhamos em comunicar ao cliente como tudo funciona. E isso deve acontecer de cara. No meu primeiro alinhamento com o cliente, faço questão de explicar, passo a passo, o processo, quem fará o atendimento e como ele funciona. Por exemplo: não respondemos mensagens aos finais de semana, mas isso é comunicado. Outro exemplo: todas as aprovações acontecem via e-mail, isso também é reforçado.
2. O contrato é quase um desenho animado
Contratos são ferramentas de segurança. Mas o nosso foi se adaptando a cada vez que algo dava errado. Hoje, além de ter tudo detalhado em texto, há um gráfico ou um mapa desenhado com o que será entregue e quando será entregue.
3. Antes de começar uma reunião, deixe muito alinhado como será essa reunião e quais as expectativas
Muitas reuniões podiam ser e-mails, mas já que temos elas, que sejam feitas da melhor forma possível. Gosto muito de começar explicando o tempo que temos, o que será discutido, qual o objetivo desse encontro. Ter uma pauta com todos os tópicos ajuda muito.
Já as expectativas… ah, elas sempre serão criadas. Mas se concentre em fazer o que você propôs na pauta. Tópicos além da pauta devem ser discutidos em outros momentos. Percebeu que a reunião está saindo do foco? Traga de volta.
4. Documente tudo por e-mail
Um dos grandes erros que cometi em uma relação que deu ruim foi manter a conversa por WhatsApp. Na verdade, eu não, mas a Annie, que cuida do atendimento da Little. Precisávamos provar algo que tinha se perdido, porque era antigo e não estava mais na memória do WhatsApp. E claro, isso foi péssimo para nós.
O melhor meio de desenvolver as questões essenciais com seus clientes continua sendo o e-mail. Por uma questão simples: e-mail é registro, é um documento que pode ser facilmente buscado. Tudo que fazemos em reunião via Zoom é formalizado depois por e-mail: o que rolou, o link da reunião, o que ficou decidido… isso ajuda a garantir provas seguras.
5. O que o cliente pede e quer… mas nem sempre é o que ele precisa
Muitas vezes, aquilo que o cliente pede e diz querer não é o que ele precisa. Mas quase sempre SÓ descobrimos isso no meio do processo. Quando isso acontece, eu costumo ter uma conversa franca do que fui percebendo no meio do caminho e que acredito que pode ser válido para, muitas vezes, mudar os rumos do planejamento. Em certos casos, deu certo, mas, às vezes, não dá. Já em outros projetos, o cliente contrata e, ao mesmo tempo, quer ensinar como fazer. Afinal, todo mundo nasceu com a síndrome de profissional de comunicação. Aqui, o que você precisa é paciência, porque terá o desafio de educar esse cliente. Na verdade, a relação com o cliente é parecida com a de professor e aluno. Só que o aluno não é você, mas o cliente. Se ele acha que precisa ser o professor, isso indica que há falhas na forma como você explica e se posiciona.
6. Jamais passivo-agressivo, never barraqueiro
A barraqueira que habita em mim precisa de um controle absurdo, mas os anos de terapia me ajudaram a tirar de letra até as situações mais cabeludas que enfrentei. Nós temos uma linha de entender que não é pessoal. Se o cliente joga seus pepinos na gente, sabemos que não é sobre a gente. Então, encaramos tudo com tranquilidade, explicando qual o nosso papel e sendo o mais educado possível. Jamais alteramos o tom da voz, perdemos a compostura e entramos no modo barraco on. Temos consciência também de que nem todo mundo vai amar o que fazemos e isso é manter o pé no chão. A gente também vai falhar, também vai ter que lidar com verdades não tão legais. Mas usamos isso para lembrar que isso deve somar, que, a partir disso, vamos melhorar… toda vez que algo deu errado, sempre perguntei: “O que eu poderia ter feito melhor para que isso não tivesse acontecido?”.
7. Um feedback ruim não pode destruir sua autoestima
Feedbacks ruins fazem parte. Mas eles não rotulam o tipo de profissional que você é. Acolher nossa própria insignificância faz parte do processo. Aqui na Little, nós estudamos muito, refinamos nossos processos e tentamos entregar o melhor projeto possível. Mesmo fazendo tudo isso, há chance de o cliente não gostar, certo? Tudo é uma aposta. O cliente pode amar, como pode não amar e, até, não entender. Isso não significa: “poxa, foi ruim!”. Mas sim: “olha aí uma oportunidade de entender o que mais precisamos alinhar…”.
8. O não satisfeito com nada
O não satisfeito com nada é, muitas vezes, o mais perdido do rolê. Alguns dizem que sua régua é muito alta e nunca aprovam nada de cara. Outros pedem mil mudanças, uma mais diferente da outra, e ainda não ficam satisfeitos. E tem o cliente não satisfeito/indeciso que não consegue escolher sem ter que pedir ajuda para os amigos. Se você é esse cliente, não faça isso. Seu amigo não está no seu negócio, não entende de estratégia e vai ser guiado pelo que ele acha ser legal. Não se aprova um projeto porque ele é legal, mas porque faz sentido com a coerência estratégica da marca.
9. Ok! Você foi a rainha da paciência, mesmo assim, houve desrespeito… O que fazer?
É sempre feio – para o cliente – quando ele começa a ser desrespeitoso. Mas acontece muito e, claro, comigo também. Uma vez, uma cliente bem problemática deu um piti porque precisamos agendar o prazo da entrega de um projeto. Não era um longo prazo, era mudar algo de sexta para segunda. Não, não era uma campanha de vendas, era algo completamente institucional. Mas o mais importante é que não fizemos isso porque queríamos, mas porque o responsável pelo projeto ficou de cama na semana de entrega. Foi a vida acontecendo.
Somos uma empresa pequena e não temos um clone quando alguém adoece. Temos só a vida com seus imprevistos e nos pedindo para fazer novos alinhamentos. Nesse caso, o cliente não aceitou. Questionamos o motivo. A justificativa era porque ele queria a entrega na sexta e ponto final. Nessa hora, pensamos: “É… existem humanos e humanos”.
Quando o cliente entende a situação do imprevisto, temos, como uma forma carinhosa, dar algum mimo. Não físico, mas relacionado ao projeto. Quando o cliente não tem uma postura respeitosa e surta porque alguém adoeceu, mantemos nossa decisão explicando, sim, que lamentamos, mas que não será possível por X, Y e Z. Não entramos no jogo, não desrespeitamos, não fazemos ninguém trabalhar doente. Seguimos cuidando do projeto com carinho e cuidado. Mas nos mantendo firmes no que acreditamos e cuidando sempre dos nossos. Até porque, sem um time, nossa empresa não existe e não está na nossa abordagem negociar saúde.
Talvez aqui, o que é válido é: o que você está ou não disposto a negociar?
10. O cliente que não participa ativamente do projeto
Esse é aquele que torna tudo, tudo mesmo, mais lento. Ele demora a vida para responder a qualquer coisa, não respeita os prazos e às vezes é capaz de aparecer um ano depois. O problema é que quando ele retorna, quer tudo para já. Neste caso, é importante deixar bem alinhado que o cliente não está comprometido e, que quando retornar, precisará entrar numa fila que acompanhe o ritmo da empresa.
Tem outra característica deste tipo de cliente. Muitas vezes, ele quer que você, que foi contratado, decida coisas que ele deveria resolver. Como por exemplo, a missão da marca dele.
Esse tipo de cliente costuma ser muito desorganizado também.
11. O cliente sonhador
Esse vive no delírio. Ele idealiza algo totalmente fora da realidade e quer que a gente faça a mágica para que tudo aconteça. O sonhador nem sempre quer ter trabalho, ela quer que as coisas deem certo de primeira, como se não houvesse riscos. Para esse perfil, eu tento sempre trazer a realidade, explicar que tudo é tentativa e erro e, que quem vê palco, não costuma ver bastidor.
12. O cliente de 5 anos
O cliente de 5 anos é o mais fácil de identificar. Ele não gosta de ser contrariado, é bem resistente com o jeito dele de fazer as coisas, quer tudo no tempo dele e, no fundo, quer ter o ego massageado. Quando você diz algo que ele não concorda, logo vem uma postura reativa. Muitas vezes, uma cara feia. Dizer coisas simples, como: sua marca não está fazendo um bom trabalho é suficiente para que ele se sinta humilhado. O cliente de cinco anos gosta de você se você fala o que ele quer ouvir. E aí, temos o pior cliente de todos. Por exemplo: se você contratar minha consultoria estratégica, eu não vou dizer o que você quer, mas o que precisa ouvir. Tudo após uma análise profunda, estratégica e coerente.
O cliente de 5 anos não sustenta uma relação madura porque ele ainda não cresceu. Te sobram duas opções: ser muito paciente ou investigar melhor se os clientes que te procuram estão preparados para aquilo que você oferece.
13. Não se culpe se você sabe que fez um bom trabalho
Quando o cliente de 5 anos não gosta do que foi entregue, muitas vezes, poderá te culpar… e até sair por aí te queimando. Nós, profissionais, precisamos aprender a lidar com isso, porque não é algo que podemos controlar. Se você foi responsável, fez o seu melhor, entregou o que foi proposto e agiu com respeito e cordialidade, não se culpe. A culpa só existe quando não há consciência do valor do seu trabalho, da qualidade da sua entrega. Uma vez que você está em paz, porque sabe que fez todo o possível, não deixe que ninguém tire isso de você.
14. E quando você age como se tivesse 5 anos?
Quando você se sente ofendido e cai no jogo, terá o impulso de revidar. Entrar na mesma frequência é o pior jeito de se relacionar. Neste processo, é preciso ser racional. Você é adulto, presta um trabalho, nem todos vão amar esse trabalho. Aqui é preciso humildade e lembrar que você é um eterno aprendiz mesmo. Lidar de forma mais leve ajuda a ajustar os pesos das cobranças.
15. Será que seu cliente entende a seriedade do projeto?
Muitas vezes, o cliente desrespeita porque não entende a seriedade do projeto. Lembra que coloquei acima que toda relação é meio escola? Somos nós que ensinamos a importância daquilo que fazemos. Somos nós que damos o exemplo pela postura.
16. Você falhou, e agora?
Eu já falhei e isso doeu. Mas, ao mesmo tempo, me ensinou TANTO.
Uma vez, bem no meu começo de empresária, um cliente corporativo começou a infernizar minha vida. Eu era nova, meio estressada, rs (não que isso tenha mudado). E toda a equipe estava no limite com relação a ele. Pedia mil mudanças, em horários aleatórios e queria tudo para ontem. É claro que se essa situação chegou onde chegou, eu falhei. Falhei porque não sabia impor meus limites. Eu tinha 27 anos na época e estava tentando aprender o mundo empresa-cliente. Certo dia, o cliente pediu a centésima alteração e resolvi conectar as informações no e-mail. Nas primeiras linhas, escrevi: “Gente, sei que está difícil e ninguém aguenta mais esse cliente… ele é realmente chato… mas precisamos…”.
O problema é que, em vez de mandar para minha equipe, eu mandei para o cliente.
Lembro exatamente de perder o ar e, na época, não havia o recurso de cancelar o e-mail. Me senti muito constrangida e aquilo me ensinou demais. Após meu coração parar de bater, peguei meu telefone e liguei para ele. Pedi desculpas humildemente e disse que realmente estávamos muito cansados com solicitações que não faziam sentido, mas que nada justifica o que eu fiz. Foi uma conversa difícil, honesta. Eu estava mesmo arrependida. Depois daquele dia, eu mudei muito. O curioso é que o reflexo da conversa foi tão verdadeiro que, seis meses depois, o cliente voltou a contratar outros projetos. Ele é mais flexível. Eu, mais madura. Fiquei feliz por ele dar uma nova chance. Fiquei feliz por ter uma nova visão.
17. Amizade só depois do trabalho entregue
Preciso dizer que tenho clientes espetaculares, no sentido de serem humanos lindos. Por outro lado, por ser professora, vejo que, frequentemente, os alunos se tornam clientes e, muitas vezes, querem não só o papel de clientes, mas também de amigos.
Acho genial que meu trabalho permita conhecer pessoas incríveis, mas construir uma amizade, pra mim, é só após a entrega do trabalho.
Tudo que eu posso fazer para manter a integridade do projeto sem o viés amigo, eu faço. Porque acho mais prudente. Então, aqui é: a gente trabalha primeiro e, quem sabe depois, podemos ser amigos.
18. O problema nunca pode alterar a qualidade
Não importa quantos problemas você tenha, a sua entrega não pode ser afetada. Carrego forte em mim o mantra: como quero que a Little seja lembrada?
Problemas são inevitáveis, mas garantir que a entrega do seu trabalho seja de qualidade é, sim, a maior de todas as responsabilidades. Então, amando ou odiando o cliente, eu vou fazer o melhor possível. Porque, no final das contas, é o meu nome, a minha empresa… Por isso que sim, não importa QUEM, mas COMO está sendo entregue. E isso, meus amigos, muda tudo…
Eu poderia facilmente escrever mais 18 tópicos… e também poderia falar dos BONS clientes (aliás, vou falar no podcast)
Mas e você? O que colocaria nessa lista?
Me conta ;-)
Um beijo,
K. Francis
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